Há muitas coisas diferentes acontecendo em minha vida, uma delas é a nova rotina de transporte público que, com muito custo, estou tentando aprender. Ainda preciso da ajuda dos cobradores irritados com a população para saber exatamente em qual ponto descer, e hoje eu peguei o ônibus errado... fui parar muito longe do metrô, a sorte é que por conta de algumas desventuras recentes eu sabia exatamente onde estava e pude correr para o ponto mais próximo que me colocaria de volta à rota de fuga.
Demorei o dobro do que demoraria normalmente para chegar na última etapa dos transportes, que carinhosamente eu chamo de "Cérbero Paulista", o ônibus da linha verde!
Caia uma chuvinha tão fina que poderia ser confundida com o sereno da madrugada, havia três filas de pessoas esperando às próximas peruas, como a terceira era a menor, me acomodei nela e fiquei observando as pessoas nas duas primeiras fileiras. Sim, tenho esse péssimo hábito de analisar as pessoas, mas veja, eu observo seus gestos e expressões, não suas roupas ou cabelos. Quando a primeira fila se foi, demos aquele passinho básico para o lado e assumimos a fileira dois, enquanto a segunda tomou o lugar da primeira.
Observando as pessoas adentrando no veículo, vi que no final da fila estava um senhor com idade suficiente para entrar na frente de qualquer pessoa, mas lá estava ele, aguardando pacientemente sua vez. Fiquei observando seu rosto, gordinho, cheio de marcas do tempo mas com uma inocência quase infantil nos olhos e a boca entreaberta, ele prestava atenção em tudo enquanto dava pequenos passos em direção à porta, como se não quisesse fazer nenhum movimento errado. Ele era menor que eu, gordinho (eu já disse isso?), se apoiava em um guardachuva grande e preto.
Eu o observei com muita admiração, porque às vezes isso acontece, você se encanta por alguém que nunca mais irá ver e nem sequer trocará uma única palavra, mas ela te conquista mesmo assim.
Vi que sobrou lugar na van e rapidamente abandonei a fila e subi, me sentei em frente ao velhinho que me encantou e fez meu coração doer tanto em uma questão de dois minutos como não doía há anos, pois senti uma falta imensa dos meus vovôs, principalmente o meu "jûdo", que não passava uma tarde sem vir à minha casa tomar café e ouvir uma ou duas músicas árabes, sem contar todas as vezes que ele me convidava para discutir o que acontecera no último capítulo de "Maria do Bairro", sim, ele era viciado em novelas mexicanas.
De qualquer forma, me sentei à sua frente, sem olhá-lo, e fiquei lembrando de coisas passadas, me ocorreu em como eles ficam frágeis e dependentes no final da vida, que isso acontecerá comigo e com você, que está se dando ao trabalho de ler este texto. Senti uma vontade imensa de abraçar aquele homem, pois não importava o que ele havia feito no passado, não queria saber se ele era ou não um bom homem, naquele momento ele era um senhor de idade fofo demais para não ser admirado. Quando chegou no seu ponto, ele deu sinal e desceu os degraus com uma rapidez duvidável para alguém com tantos cabelos brancos, ao pisar na calçada ele se virou e, por um segundo, achei que ele bateria continência para o motorista, mas levantou o polegar esquerdo e murmurou um "obrigado", depois seguiu seu caminho.
Não pude deixar de sorrir com aquilo, foi a coisa mais simples que uma pessoa podia fazer para agradecer, mas ao mesmo tempo foi tão respeitoso e sincero, que se ele tivesse dado flores ao motorista não teriam tanto valor quanto este pequeno gesto. Continuei sorrindo por mais alguns minutos e agradeci a mim mesma por ter, dessa vez, lembrado de que eu possuo um celular com câmera e que eu não perderia novamente a chance de fotografar àqueles que me fazem repensar em como eu levo a minha vida e o que carrego de realmente valioso comigo¹.
Obrigada, senhor fofura. Espero que nunca fique bravo comigo por este apelido carinhoso, mas você, sem a menor intenção, me trouxe tantas lembras boas que eu só queria te abraçar e dizer: "Boa noite, vovô".
¹ Vide "Herói de Mármore", perdido em alguma página deste mesmo blog.
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