Saio de casa e rezo para que Deus me dê o privilégio de ter minha família a salvo, e que mais um dia se passe da melhor maneira possível. Normalmente nesse tempo eu ando olhando para o céu, apenas para ter a certeza de que Ele me escuta e que Sua presença é absoluta em todo lugar. Após alguns minutos coloco o fone de ouvido e me retiro para meu mundo particular; tenho 4 gigas de músicas, a maioria não escuto, mas as deixo lá pois sei que vez ou outra preciso delas para me lembrar de que tudo foi real.
Não ouço mais Raul Seixas ou Johnny Rivers, não consigo ouvir "Do you wanna dance" no MP4 porque não parece ser a mesma música que anunciava sua chegada para a rua inteira ouvir, fazendo minha mãe pular do sofá para abrir o portão para que o chevette cinza adentrasse. Não quero saber de ouvir "Tente outra vez", pois hoje em dia me pergunto se ele ouvia essa música porque gostava de Raul ou porque precisava dela para ganhar um pouquinho de força para levantar no dia seguinte e viver. Às vezes dou risada quando lembro que num domingo ele disse: "Filha, aumenta o som porque a próxima música dedicarei à sua mãe.", fiz o que me pediu e ele começou a cantar alto: "É pena, que você pense que eu sou seu escravo. Dizendo que eu sou seu marido e não posso partir... Opa, desculpa, bem! Eu achei que era outra música. Eu te amo!". É ÓBVIO que ele sabia qual era a música, afinal, ele ouvia o mesmo CD todos os dias... Ele adorava irritar o "bem" dele. Lembro que ele dizia: "Suade, me dá um caderno e uma caneta, senta ali na frente do rádio e vai apertando pause quando eu mandar. Vou anotar essa letra porque ainda não sei cantar inteira.", a bendita era "Ouro de Tolo". Foi por causa dele que entendi o sentido de "Trem das sete" e que aprendi a amar a música "Sapato 36".
Se alguém colocar tais músicas eu escuto numa boa mas, eu, sozinha, não consigo escutá-las; tento de vez enquanto, mas só chego na metade e vou para outra pasta de músicas.
Doze anos e ainda fico imaginando se um dia conseguirei me casar sem ter um ataque de choro por ter que entrar com o meu irmão e não com ele.
Com o tempo nos acostumamos com a sua ausência, e cada dia que passa lembramos menos de cada detalhe. Sinto muito pelo meu irmão mais novo que perdeu o pai com quatro anos, e hoje fica só ouvindo as lembranças que ele não teve a oportunidade de construir. Sinto pela minha mãe que ficou viúva com trinta e dois anos de idade e teve que se virar na vida para cuidar da casa e três filhos. Sinto muito por não tê-lo conosco.
Existem tantas coisas que me magoam, que me desmotivam, mas tudo é superável. Tudo passa com o tempo, menos a falta que ele faz. A cada ano que passa, o abismo que se abriu no dia em que ele se foi cresce mais e mais, fazendo com que eu me pergunte se tudo foi real ou se foi um sonho maravilhoso.
Só posso concluir que Deus me deu a benção de viver com uma pessoa extremamente maravilhosa, mesmo que por pouco tempo, e devo ser grata por isso.
Tive a honra de ser filha de um homem maravilhoso, de um homem que se fez lembrar por todo o sempre. Até hoje amigos da família quando me conhece ou aos meus irmãos, nos olham e falam: "Vocês são filhos do Nossaim? Eu sinto falta dele até hoje [...]" e contam suas histórias emocionados. Quantas vezes essa cena se repetiu ao longo dos anos? Tudo isso só me dá mais orgulho de ser filha de quem sou.
Busco diariamente ser uma pessoa a qual ele encheria o peito e com aquele sorriso lindo no rosto diria de boca cheia: "Ela é minha filha!".
Espero que, onde quer que esteja, eu o orgulhe de alguma forma.
Espero que, onde quer que esteja, eu o orgulhe de alguma forma.
Pode ser que a vida me tire mais alguma pessoa, mas por enquanto, nada, nem a maldade das pessoas me entristece mais do que a perda dele.
A vocês, que pediram para que eu escrevesse sobre a tristeza, no meu dicionário pessoal, é esse o significado de tal sentimento.
Eu só queria comentar a quantidade de arrepios que senti ao ler esse post.
ResponderExcluirÉ lindo e agora sei exatamente o que é tristeza pra você.
E não apenas porque você explicou, você, ainda que por alguns minutos, me fez senti-la.
Parabéns... talvez sejamos amigas hoje porque nossos pais são amigos em algum lugar por aí... talvez seja bobo esse pensamento que me ocorreu agora... mas nunca se sabe.
Como conversamos há algum tempo, não acredito no acaso. Por que eles não poderiam ter conspirado para que nos tornássemos amigas, mesmo quando outras pessoas interferiam contra isso?
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:)
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